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Noiva-Cadáver, A (Corpse Bride), de Tim Burton (EUA)

Por Rodrigo Fonseca

Salgado até o limite da hipertensão pela transgressão (quantos filmes você conhece que mostram a morte como um resort festivo?), A Noiva-Cadáver (Corpse Bride, 2005) é uma experiência formal singular na carreira do mais exótico cidadão cinematográfico de Burbank, Califórnia: Tim Burton. Um atestado de excelência, que representa a mimetização lingüística mais precisa da fábula gótica feita pelo cinema animado nas últimas décadas. E aprofunda todas as trincheiras gramaticais que o cineasta cavou em 1993 com o projeto de "O Estranho Mundo de Jack", dirigido por Henry Selick, mas idealizado e produzido por Burton. 

Enquanto animadores da Coréia (um dos países que mais sofisticaram a investigação de fronteiras animadas) investiram no trauma como fonte/justificativa para o uso e o abuso de contrastes visuais, sombras e chiaroscuro, a equipe de Burton se embrenhou pelo pessimismo otimista do diretor. E imbuído dele, apostou na redenção como veio de exploração da morbidez. Fiel à autoralidade do realizador de "Batman" (1989), A Noiva-Cadáver é mais um conto sobre acertos de conta. Mas aqui, tema e estrutura são covalentes: a espinhosa idéia de que viver é o pesadelo e  morrer, o regaço, rendem sentido filosófico ao uso do stop-motion. 

Ancestral, a técnica que consiste em fotografar um objeto inanimado em várias velocidades e depois manipular os fotogramas, de modo que, a 24 quadros por segundo, ele pareça vivo, serve a Burton para filosofar sobre o desterro. Como? É preciso refletir. Buscando na oralidade da lenda da noiva-fantasma a argamassa de sua dramaturgia,Burton capitaliza o stop-motion para somatizar a idéia de dois tempos em conflito: o dos vivos e dos mortos. O primeiro é regido pela lentidão: é cinza, inerte. O segundo se calibra na velocidade do pop, cantando como Cab Calloway as delícias do perpétuo desenraizamento do dever.  Ou seja: A Noiva-Cadáver é a reiteração de que entre os verbos viver e morrer existe uma relação de alteridade, onde a morte é a medida. Sem choro ou vela. Para isso, o registro do longa- metragem é uma esfuziante celebração do préstimo. Victor resolve suas pendências com sua insegurança. A finada noivinha, por sua vez, aprende a deixar o passado em paz. E o que é fascinante é que todas essas transformações são feitas com absoluto respeito à aritmética dos contos de fadas.

É Tim Burton focado naquele que sempre foi seu lema: "Nunca tento agradar o público. Em Hollywood, há gente demais pensando no gosto do público. Eu penso no meu gosto".

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