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Homenagem Norma Bengell

Por Luiz Fernando Gallego

Oooooh, Norma!

 

No período mais popular do cinema brasileiro, a época das chanchadas, nosso star system era praticamente limitado aos atores cômicos, não havendo tanto prestígio para nomes femininos equivalentes às estrelas glamourosas de Hollywood. Foi já no final dos tempos áureos das chanchadas e em um de seus melhores exemplares, O Homem do Sputnik (de Carlos Manga, 1959), que Norma Bengell estreou nas telas como a primeira femme fatale com enorme poder de sedução, capaz de chamar a atenção especialmente do público masculino. Norma fazia uma imitação paródica (hoje falaríamos em “citação”) da já mundialmente famosa Brigitte Bardot – que raramente podia ser vista pelos menores de idade nos filmes franceses tidos como muito ousados para a época. Mas, como as chanchadas eram franqueadas às crianças, teve muito garoto que, sem ao menos conhecer melhor Brigitte nas telas, ficou encantado mesmo com Norma.

 

Alguns, mais taludinhos e antenados com interesses musicais, talvez tenham se contentado por algum tempo com sua voz e suas interpretações sensuais em um vinil que ela gravou naquele mesmo ano e em cuja capa havia sugestão de nudez (sem que nenhuma parte mais íntima do corpo fosse vista na bem bolada foto em fundo escuro). O nome divertido do álbum dizia muito: “OOOOOOH! Norma”, antecipando muitos outros pontos de exclamação e interjeições que sua carreira provocaria, especialmente a partir de 1962, quando surgiu um dos títulos mais famosos do Cinema Novo, Os Cafajestes, dirigido por Ruy Guerra: escândalo absoluto com a cena de nu frontal de Norma ao ar livre. O fato de ter sido retirado de cartaz pela censura colaboraria para a aura de sensacionalismo que perseguiria a atriz por muitas décadas seguintes. O filme teve exibição no Festival de Berlim, mas já um pouco antes, em Cannes no mesmo ano, Norma já havia despertado interesse internacional por sua presença no premiado O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte.

 

Na Itália, ela logo apareceria em O Mafioso, de Alberto Lattuada, ao lado de Alberto Sordi; e em filmes de Giuliano Montaldo (diretor de Sacco e Vanzetti), Pasquale Festa Campanile (roteirista de O Leopardo e Rocco e Seus Irmãos) e Sergio Corbucci (de cultuados spaghetti westerns como o original Django, há pouco homenageado por Tarantino). Quando esteve no elenco de O Planeta dos Vampiros, foi dito no Brasil que sua carreira italiana havia sido um fracasso por ter estado em um filme B como este, embora o diretor Mario Bava (de A Maldição do Demônio, 1960) seja hoje em dia também cultuado exatamente por filmes deste tipo. Se o percurso internacional de Norma não chegou a ser espetacular, não é de se menosprezar o fato de ela ter participado de filmes com Jean-Louis Trintignant ou Jean Sorel.

 

Mas foi mesmo no Brasil que ela manteve o status de estrela em outras obras de aspectos transgressivos para a moral vigente, como em Noite Vazia, de Walter Hugo Khoury, 1964 (ao lado da outra grande estrela do cinema nacional na época, Odette Lara), e em A Casa Assassinada, de Paulo Cesar Sarraceni, 1971, que traz uma fortíssima cena de relação sexual incestuosa, com a tela larga ocupada pelos corpos de Norma e do ator que interpretava seu filho.

 

Cabe lembrar que ela não se limitou ao Cinema Novo com o qual ficou associada desde Os Cafajestes – e que até mesmo esteve em poucos filmes dos cineastas desse movimento: trabalhou muito com Khoury (em três de seus filmes, ao todo) e com nomes ligados ao cinema “udigrudi”, Rogerio Sganzerla (O Abismo, 1977) e Julio Bressane (O Anjo nasceu, 1969, e Tabu, 1982). Mas voltou a ser dirigida por Ruy Guerra em Os Deuses e os Mortos (1970) e esteve no último filme de Glauber Rocha: A Idade da Terra (1980). Seu nome também podia chamar a atenção para filmes de então quase iniciantes como Ana Carolina (Mar de Rosas, 1978) – um de seus melhores desempenhos. Neste aspecto, cabe lembrar sua presença ambígua ao lado de Jardel Filho no hoje pouco lembrado Antes, o Verão (1968), baseado em romance de Carlos Heitor Cony.

 

Verdadeira operária do cinema, Norma quis se dedicar à direção em Eternamente Pagu (1987), abordando a vida de outra mulher que vivia à frente de seu tempo, Patrícia Galvão, musa modernista de pintores como Tarsila e Oswald de Andrade, perseguida por suas atividades políticas. Norma também chegou a ter que se afastar do Brasil (como tantos outros artistas que desagradavam à ditadura militar), tendo sido até mesmo sequestrada por grupo de extrema direita quando participava do espetáculo teatral Cordélia Brasil, em São Paulo, 1968. Apesar disso, no ano seguinte estaria na peça Os Convalescentes, sobre o dilema de intelectuais e artistas na América Latina dominada por ditaduras de direita. Ainda no teatro, é memorável sua participação na remontagem de 1976 de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, espetáculo dirigido por Ziembinsky segundo a concepção original de 1943. Mas é em seus filmes que ela poderá ser lembrada como a estrela que foi e que nos deixou em 2013.

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