O personagem central de O Escritor Fantasmajamais tem seu nome mencionado - como convém a um "ghost-writer". Mas o aspecto mais importante para situar o 18º filme de Roman Polanski no corpo de sua obra é que o tal escritor cujo nome desconhecemos é mais um estranho em ninho alheio. Ninho de cobras. 

A circunstância em que uma pessoa se vê desprevenida em um meio que parece ficar cada vez mais ameaçador é análoga à da jovem grávida de O Bebê de Rosemary (1968), temerosa de más intenções ocultas nas gentilezas dos demais moradores de seu prédio. Algo parecido com a nova "realidade" criada pelos delírios terrificantes da manicura esquizofrênica de Repulsa ao Sexo (1965). E semelhante ao que se passava com o patético estrangeiro em Paris que o próprio Polanski interpretou em O Inquilino (1976): além de se sentir cercado por vizinhos hostis, ele só conseguiu sua moradia porque o antigo ocupante morrera misteriosamente. Tal como o atual escriba anônimo que recebe um trabalho a partir da morte de outro "fantasma".

Várias situações deste filme o aproximam das mais características realizações que Polanski assinou. Fora do fantástico ou da loucura, aqui, o talento na escrita pode ser usado para defesa (ou ataque) - mas também traz riscos (bem reais). Também a habilidade do jovem de A Faca na Água (1962) para se proteger com arma branca lhe servia menos no meio aquático. E não são poucos os personagens de seus filmes que lembram a expressão "peixes fora dágua". Como O Pianista (2002) que se debate em um mundo nazista virado de cabeça para baixo. Peixes fora dágua ou homens sem guelras tentando respirar na água - onde uma faca não corta. 

Oliver Twist (2005) é uma criança sozinha no mundo, assim como ficou o menino Roman durante o nazismo. Não são raras as especulações (que ele odeia) sobre aspectos de sua vida em sua obra: se ele não pode pisar nos Estados Unidos devido a antigos problemas legais, inversamente, no filme mais novo, um ex-Primeiro Ministro britânico não pode voltar ao Reino Unido por acusação de crimes de guerra. Mas o que importa mesmo para usufruir este thriller é observar que o diretor preserva a capacidade de posicionar com exatidão a câmera, enquadrar com elegância a imagem e filmar antecipando a montagem ágil. Além de aproveitar bem os interiores espetaculares de uma casa e as amplas vidraças mostrando exteriores com paisagens quase desertas como as de Armadilha do Destino (1966), um título que serviria a muitos de seus filmes, incluindo este.

The Ghost Writer - EUA/Alemanha, 2010 - Direção: Roman Polanski - Roteiro: Robert Harris e Roman Polanski - Produção: Robert Benmussa - Fotografia: Pawel Edelman - Montagem: Hervé de Luze - Música: Alexandre Desplat - Elenco: Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Eli Wallach, Kim Cattrall, Olivia Williams, Tom Wilkinson, James Belushi, Timothy Hutton - Duração: 128 minutos