O farol
Por Carlos Brito
Homens, sombras e gaivotas
No ambiente hostil do Maine, na Nova Inglaterra, nordeste dos Estados Unidos, há fenômenos mais antigos e assustadores do que as ondas que se lançam contra as rochas impassíveis da costa local. É o que descobrimos ao longo dos 109 minutos de “O farol”, segundo longa-metragem do diretor americano Robert Eggers, que, quatro anos antes, já chamara a atenção com “A bruxa”.
A situação se estabelece logo nos primeiros instantes da trama, ambientada no fim do século 19. Durante quatro semanas, o trabalhador temporário Ephraim Winslow (Robert Pattinson) cuidará da manutenção do farol, localizado em uma ilha minúscula, rochosa e frequentemente atingida por tempestades. Para supervisioná-lo, estará lá o mantenedor Thomas Wake (Willem Dafoe).
Numa primeira análise, a dinâmica parece simples: Wake dá as ordens e Winslow as obedece sem reclamar. No entanto, não demora e elementos internos e externos começam a erodir a relação entre ambos. Grosseiro, explosivo e beligerante, Wake instiga os aspectos mais agressivos de Winslow, fugitivo de um passado sombrio que virá à tona. Mas não é só isso.
Aos poucos, Winslow percebe que forças sobrenaturais podem estar em ação naquele pedaço de terra cercado por águas violentas. Os aspectos lúgubres se manifestam por visões do que poderia ser uma sereia e pela longa permanência de Wake no topo do farol – talvez na companhia de algo que não pertence a este mundo. Alternando momentos de proximidade e companheirismo com instantes de fúria, os dois homens chegarão à conclusão de suas histórias.
Por falar em homens, a estrutura em formato fálico que abriga os personagens não deixa dúvidas: para o bem ou para o mal, o farol é um território masculino. Outro elemento cênico com função dramática é a escada interna, uma clara alusão ao declínio em direção à loucura.
Terror psicológico, suspense metafísico ou metáfora taciturna para uma história de fundo épico – é difícil classificar essa produção em apenas um gênero. Muito por conta da variedade de influências na película, entre elas, a ambientação gótica da literatura de Edgar Allan Poe e de H.P. Lovecraft, o terror náutico presente em “Moby Dick”, de Herman Melville, o mito grego de Prometeu e a abordagem visual com ares de expressionismo alemão na fotografia assinada por Jarin Blaschke.
Por todos esses fatores, “O farol” impressiona. Ao mesmo tempo, ensina uma lição importante: quando encontrar uma gaivota, é melhor deixá-la em paz.
O farol (The lighthouse), de Robert Eggers (USA, 2019). Com Robert Pattinson, Willem Dafoe, Valeriia Karaman.
Drama/Horror. Sinopse: Enquanto os dois homens se conhecem e se provocam, Ephraim fica obcecado em descobrir o que acontece naquele espaço fechado, ao mesmo tempo em que fenômenos estranhos começam a acontecer ao seu redor. 109 minutos. 16 anos.