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O Inferno de Clouzot (L´enfer d´Henri-Georges Clouzot), de Serge Bromberg, Ruxandra Medrea (França)

Por Carlos Alberto Mattos

Serge Bromberg conta na primeira sequência como chegou por acaso às 13 horas de filme deixadas por Henri-Georges Clouzot há mais de 40 anos e nunca exibidas. Bromberg, um renomado especialista em restauração, tomou para si (e para a codiretora Ruxandra Medrea) a deliciosa tarefa de recontar a história do que seria um dos filmes mais inovadores dos anos 1960. Sua fascinação pelas imagens de "Lenfer" é tamanha que mesmo os depoimentos dos colaboradores de Clouzot foram gravados num estúdio em meio a uma instalação com telas que não param de mostrá-las.

Não é para menos. O estudo sobre um homem que enlouquece de ciúme da mulher num balneário francês foi projetado para ser uma súmula das vanguardas audiovisuais em voga em 1964. Enquanto a realidade era mostrada em preto e branco, os delírios paranóicos do marido eram filmados em cores psicodélicas. Mas até o plano da realidade sofria os efeitos da neurose do ciumento, mediante o uso de efeitos óticos e uma movimentação de atores minuciosamente orquestrada para sugerir a patologia do protagonista. 

Como resposta aos luminares da Nouvelle Vague, que o associavam a um cinema de gênero e ultrapassado ("O salário do medo", "As diabólicas", "Crime em Paris"), Clouzot integrou a "O Inferno" a arte cinética, a op art, a música eletroacústica e recursos experimentais na maquiagem e nos figurinos. Trabalhou com inversão de cores, distorções, caleidoscopismo. Explorou, sobretudo, a beleza alpina de Romy Schneider, injetando sensualidade na figura comumente associada à inocente Sissi. 

O documentário põe em destaque também a personalidade de Clouzot, embora não mencione sua passagem por instituições psiquiátricas nos anos 1930. No cinema, ele era um perfeccionista que planejava cada centímetro do campo visual e exigia sacrifícios de atores e equipe. Para "Lenfer", contava com orçamento ilimitado da Columbia, grandes técnicos, mas não com o controle sobre o projeto. Após três semanas de filmagem e experimentações febris, ele parecia desnorteado. Uma ruptura com o ator principal e um enfarte determinariam a interrupção da produção. 

Curiosamente, o processo de criação de "Lenfer" evoca a essência do argumento do "Oito e meio" de Fellini, filme que marcara Clouzot um ano antes e certamente mobilizava seu apetite pela narrativa anticonvencional e pelo tema da desestabilização. O risco de paralisia que o Guido de Fellini corria atingiu de verdade Clouzot. E o inacabado "Lenfer" passaria à história do cinema francês como um filme maldito.

Lenfer dHenri-Georges Clouzot - França, 2009 - Direção: Serge Bromberg, Ruxandra Medrea - Roteiro: Serge Bromberg - Produção: Serge Bromberg - Fotografia: Irina Lubtchansky, Jerôme Krumenacker - Montagem: Janice Jones - Música: Bruno Alexiu - Elenco: Depoimentos de Bérenice Béjo, Jacques Gamblin, Romy Schneider, Serge Reggiani - Duração: 94 minutos

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