O Lobo atrás da Porta, de Fernando Coimbra (Brasil)
Por Daniel Schenker
Muito além da trama
O Lobo Atrás da Porta evidencia duas referências: o famoso caso da Fera da Penha – como ficou conhecida Neide Maria Lopes, que assassinou a menina Tânia, de quatro anos, filha de seu amante, em 1960 – e a tragédia Medeia, de Eurípedes – centrada na determinação da personagem-título de matar os próprios filhos como forma de se vingar do marido, que a abandonou para se unir a uma mulher mais jovem.
No premiado filme de Fernando Coimbra, o desaparecimento de uma menina, Clara (Isabelle Ribas), traz à tona o vínculo entre um homem, Bernardo (Milhem Cortaz), e sua amante, Rosa (Leandra Leal). O diretor, também autor do roteiro, lança eventuais pistas falsas, sugerindo que a trama pode ter acontecido de maneira diversa. Entretanto, os desdobramentos não despontam como os grandes atrativos desse filme, que surpreende por outras razões.
Ao longo da projeção, o não dito adquire mais força que a palavra. Coimbra imprime atmosfera que remete a Nelson Rodrigues ao, por exemplo, valorizar o subúrbio do Rio de Janeiro, que se torna personagem fundamental. Mais do que escolhas aleatórias, os bairros de Oswaldo Cruz e, principalmente, de Marechal Hermes enriquecem os perfis de Bernardo e Rosa, personagens que travam elo explosivo.
Além disso, a câmera (fotografia de Lula Carvalho) expressa, informa, prova que o acesso do espectador ao filme não se dá necessariamente a partir do que os personagens falam. Certas operações realçam essa questão. Uma diz respeito ao modo como o delegado (Juliano Cazarré) encarregado de investigar o sumiço da menina é apresentado ao público. De início, a plateia não o vê, apenas ouve a sua voz; depois, ele aparece, mas de costas; só surge de frente diante de uma personagem-chave como Rosa. A outra se refere ao dimensionamento, também por meio de recurso não verbal, da relação distanciada entre Rosa e os pais. As figuras de um pai (Emiliano Queiroz) que não fala e de uma mãe (Tamara Taxman) que fala, mas quase não é vista, potencializam a frieza do contato.
E não há como deixar de mencionar o elenco. Leandra Leal está excelente, transmitindo plenamente as nuances de Rosa. Não brilha sozinha. Cabe chamar atenção para a admirável espontaneidade conquistada pelos atores, em especial Fabíula Nascimento, Milhem Cortaz, Juliano Cazarré, Karine Teles e Thalita Carauta. Fernando Coimbra, que se destacou com o curta-metragem Trópico das Cabras (2007) e assinou O Homem I (2010) – filme decorrente de um dos cinco espetáculos concebidos por José Celso Martinez Corrêa no Teatro Oficina (companhia que Coimbra integrou como ator) a partir de Os Sertões, livro de Euclides da Cunha –, mostra inegável maturidade em O Lobo Atrás da Porta.
O Lobo Atrás da Porta – Brasil, 2013 - Direção: Fernando Coimbra – Roteiro: Fernando Coimbra – Produção: Caio Gullane, Fabiano Gullane, Débora Ivanov, Gabriel Lacderda - Fotografia: Lula Carvalho – Montagem: Karen Akerman – Elenco: Leandra Leal, Milhem Cortaz, Fabiula Nascimento, Antonio Saboia, Juliano Cazarré, Tamara Taxman, Thalita Carauta – Duração: 95 minutos.