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O Quarto ao Lado

Por Frank Carbone

Beleza e liberdade no fim

 

 

Talvez Pedro Almodóvar seja o cineasta contemporâneo que mais "renasceu", em meio aos desacertos habituais de uma carreira tão longeva quanto prolífica e bem-sucedida. No fim dos anos 80, a chegada de “Mulheres à beira de um ataque de nervos” o fez ficar famoso fora de sua Espanha natal. Em 1999, um novo capítulo se iniciava com “Tudo sobre minha mãe”, e em 2011, uma reviravolta que trazia aos cinemas um de seus maiores sucessos comerciais: “A pele que habito”. Às vésperas da pandemia, seu “Dor e glória” conquistou o mundo e ressuscitou a carreira do muso Antonio Banderas. “O quarto ao lado” é dessa seara de acertos, que acabou o contemplando com o Leão de Ouro no Festival de Veneza.

 

Já melancólico a alguns títulos, a adaptação do romance de Sigrid Nunez é o primeiro longa do espanhol falado em inglês, o que gerou um racha injusto entre seus fãs, que acharam uma demasiada frieza na produção. A possível falta de compreensão deles sobre o que o autor gostaria de comunicar, é na verdade uma ode à liberdade e a aceitação em vida da finitude. Com um tema espinhoso, que confirma a composição menos deslumbrante de sua filmografia atual, o que temos é o mesmo autor incisivo de sempre, mas aqui, com uma pegada de observação, sem deixar de proferir ousadias - vide a temática, algo que ainda é tabu em muitas sociedades.

 

Almodóvar descortina questões contemporâneas enquanto promove a suave ciranda de desencontros entre duas amigas (ou quase isso), unidas pelas circunstâncias. Ao mesmo tempo sofisticado e sereno, e incrivelmente leve para seus propósitos, temos um raro filme do diretor cuja narrativa não se difunde ao longo de diversos núcleos e eventos. Ingrid e Martha são mais do que a espinha dorsal do filme, mas por meio da narrativa tão enxuta, encontrá-las - e posteriormente perdê-las - foi uma das experiências mais refrescantes do ano. Apesar do fim, e também graças a ele.

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