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O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho (Brasil)

Por Susana Schild

Uma rua, um país

 

O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, se impõe como um dos melhores filmes de 2013 pela sua extrema brasilidade e contemporaneidade. Como cenário principal, uma aprazível rua de Recife, brindada com lançamentos imobiliários de primeiro mundo. Seus moradores poderiam usufruir de conforto que o dinheiro pode proporcionar não fosse a convivência forçada com segmentos do “terceiro mundo”: empregados domésticos, entregadores de mercadorias, seguranças e afins, em sua maioria migrantes do campo para a cidade, carentes de educação, preparo e oportunidades, mas não da capacidade de “se virar”. E esta verticalidade social, rara no cinema nacional, é exposta com rigor matemático e riqueza de nuances.   

 

Os dois lados desta fronteira urbana compartilham, neste início do século XXI, a consolidação de um estado de violência representado pela presença generalizada de grades, cercas, sistemas de segurança que transformam moradores em prisioneiros. Para minimizar os riscos, a segurança privada aparece como saída. Aí é que mora o perigo. É voz corrente que quem compra segurança também compra o seu oposto. Mas quem se arrisca a rejeitar os serviços voluntários de homens que se comprometem com o bem-estar dos moradores sem pedir quase nada em troca?

 

O Som ao Redor começa com batidas cadenciadas de um surdo sublinhando cenas do interior colonial, quando o mundo ainda era dividido entre os que falavam e os que sabiam com quem estavam falando. Um corte brusco transporta o espectador para o playground de um prédio de classe média alta, onde crianças brincam, observadas por suas babás. Mas aquela rua preserva elementos das fotos em preto e branco, como o afável “coronel” urbano Francisco (WJ Solha), dono de terras e também de metade dos prédios da rua. O velho coronel cultua a arriscada certeza de que os tempos podem mudar para outros, mas não para ele ou sua família. Ele se insere na seita dos “intocáveis” pelas transformações sociais e pelas leis, privilégio extensivo à família – enquanto as circunstâncias permitirem.   

 

A chegada da “segurança não oficial” vai colocar em xeque posturas e comportamentos de toda a vizinhança. De uma forma bem brasileira, a convivência entre “patrões” e “empregados” tem tudo para fluir bem, desde que cada um saiba o seu lugar. Mas as coisas se embaralham quando ex-latifundiários têm empregadas domésticas que se envolvem com seguranças que, por sua vez, têm contas históricas a acertar.

 

Com notável controle narrativo e elenco primoroso, Kleber Mendonça constrói uma vigorosa narrativa das perversões sociais urbanas, voluntárias ou involuntárias, em que o “sabe com quem está falando” mudou de articulador, mas nem todos perceberam.  Neste filme vigoroso e talentoso, com vários prêmios em festivais nacionais e internacionais, o sossego urbano é invadido pelos mais diferentes sons, e o medo, insidioso, se instala e cresce até um final rigorosamente surpreendente e explosivo.

 

O Som ao Redor – Brasil, 2012 - Direção: Kleber Mendonça Filho – Roteiro: Kleber Mendonça Filho – Produção: Emilie Lesclaux - Fotografia: Pedro Sotero – Montagem: João Maria, Kleber Mendonça Filho – Elenco: Ana Rita Gurgel, Clébia Souza, Gustavo Jahn, Irandhir Santos, Irma Brown, Lula Terra, Maeve Jinkings, Maria Luiza Tavares, Sebastião Formiga – Duração: 115 minutos.

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