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O Vencedor (The fighter), de David O. Russell (EUA)

Por Leonardo Luiz Ferreira

A arte interna do álbum "The division bell" (1994), do Pink Floyd, sugere que a canção "Lost for words" seja inspirada na história de um boxeador, mas, ao analisar a letra atentamente, percebe-se que o mote da música até pode ter sido esse, só que o sentimento de seus versos são muito mais amplos. O mesmo acontece ao se olhar de maneira distanciada o longa mais maduro do cineasta David O. Russell, "O vencedor". De saída, pode-se afirmar categoricamente: "O vencedor" não é um filme sobre boxe. O que interessa realmente na narrativa são as relações humanas entre seus personagens, independentemente de onde elas estejam ambientadas, como numa família que parece excêntrica, porém se assemelha a diversas outras. 

A história dos irmãos boxeadores Micky Ward e Dicky Eklund é tão fascinante que merecia chegar às telas de alguma forma. Ela traz todos os ingredientes cinematográficos que poderiam ser traduzidos num telefilme melodramático ou num drama esportivo de superação. Porém, a diferença está no apreço e na dedicação de todos os envolvidos para transcender o formato padrão "baseado em fatos". A preocupação em extrair o realismo ao máximo está ali, com o uso de alguns cenários reais, entre eles a academia de treino dos lutadores, e de convidar o técnico de Ward para interpretar a si mesmo nas telas. Tudo isso soa como um preciosismo, um detalhe na busca estética, só que o que importa mesmo em "O vencedor" está na dramaturgia, em construir personagens calcados num jogo de interpretações à flor da pele e que transmitem a sensação documental tão pensada por Russell nos mínimos detalhes de composição. Com essa afinação entre os atores, o filme deixa de lado o protagonismo e aposta no conjunto para ganhar vida e pulsação dentro do quadro cinematográfico, que remete a longas americanos dos anos 70 - de Bob Rafelson ("Cada um vive como quer") a Martin Scorsese ("Caminhos perigosos"). Este até mesmo foi escolhido pelo produtor e estrela Mark Wahlberg para dirigir, entretanto declinou do convite.

Os personagens de "O vencedor" estão presos no passado, como se após uma única glória suas vidas já tivessem preenchido todo o sentido. Mas nada se resume a um nocaute ou se eterniza no tempo de duração de um round. O relógio continua a girar seus ponteiros rumo ao futuro. E o vinil do Pink Floyd a ecoar como um mantra para que não haja entrega à solidão: "Can you see your days blighted by darkness? (Você pode ver o seu dia arruinado pela escuridão?); Is it true you beat your fists on the floor? (‘É verdade que você bateu seus punhos no chão?); Stuck in a world of isolation (‘Preso num mundo de isolamento); While the ivy grows over the door (‘Enquanto a hera cresce em cima da porta)".

The Fighter - EUA, 2010 - Direção: David O. Russell - Roteiro: Scott Silver, Paul Tamasy, Eric Johnson - Produção: Dorothy Aufiero, David Hoberman, Ryan Kavanaugh, Todd Lieberman, Paul Tamasy - Fotografia: Hoyte Van Hoytema - Montagem: Pamela Martin - Música: Michael Brook - Elenco: Christian Bale, Mark Wahlberg, Amy Adams, Melissa Leo, Robert Wahlberg, Dendrie Taylor, Jack McGee, Jenna Lamia, Salvatore Santone, Chanty Sok, Bianca Hunter, Sean Patrick Doherty, James Shalkoski Jr., Barry Ace, Caitlin Dwyer, Jeremiah Kissel - Duração: 115 minutos

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