Pacarrete
Por Myrna Brandão
Um filme com poesia e encantamento
Assim é “Pacarrete”, de Allan Deberton, exibido em dezenas de festivais, no país e no exterior, e o mais premiado do ano, com 28 prêmios, entre os quais o da ACCRJ. Baseado na história real de Maria Araújo Lima (1912-2004), o filme segue Pacarrete (margarida, em francês), nascida e criada em Russas, no Ceará, que tinha o sonho de ser bailarina. Ela vai para Fortaleza e lá se torna bailarina clássica. Anos depois, com a aposentadoria e a notícia de que a irmã está doente, retorna à cidade natal.
Nas vésperas da festa de 200 anos da cidade, Pacarrete propõe à Secretaria de Cultura fazer uma apresentação do balé “O lago dos cisnes”. Sua oferta é recusada, mas o pior ainda estava por vir: o desrespeito e a indiferença que passa a sofrer transformam Pacarrete na “louca da cidade”.
Além da delicada e segura direção de Deberton neste seu primeiro longa-metragem – após vários curtas premiados –, o filme tem muitos acertos. Um deles é, certamente, o desempenho do elenco, que conta com Zezita Matos, Soia Lira, João Miguel e a extraordinária Marcelia Cartaxo, que vive a protagonista. Após sua brilhante estreia em 1985 com “A hora da estrela”, que lhe deu o Urso de Melhor Atriz em Berlim, o cinema estava devendo um papel à altura do seu talento, o que acontece agora com “Pacarrete”, onde a química entre a atriz e o diretor é visível.
O filme acerta também na fascinante trilha sonora, bem como na seleção musical, que vai de Charles Trenet (“Douce France”) a Tina Turner (“We don’t need another hero”), passando por Belchior (“Coração selvagem”) e clássicos de Tchaikovsky. Mas há outros pontos a destacar. Numa sequência em penumbra lindamente dirigida, Pacarrete percebe que a irmã não está mais ali, cena que merece figurar entre as melhores do cinema para mostrar a morte de alguém.
Além da perda da irmã e de, finalmente, compreender que não vai dançar na festa da cidade, a personagem – bem como a dramaturgia da trama – sofre uma mudança interpretada por Cartaxo com louvor: de louca e borbulhante, ela entra em profunda tristeza e depressão. O filme então caminha para o seu comovente final, com a belíssima sequência da personagem dançando “O lago dos cisnes” com o palco vazio, seguida dos créditos finais ao som de Douce France.
“Pacarrete” é um belo filme que emociona, comove, suscita aplausos e permanece na mente dos espectadores com muitos pontos para reflexão.
Pacarrete, de Allan Deberton (Brasil, 2019). Com Marcelia Cartaxo, João Miguel, Zezita Matos.
Drama. Sinopse: Nascida e criada em Russas, Pacarrete alimenta desde criança o sonho de ser artista e viver a vida na ponta da sapatilha. Mas as mulheres nasceram para casar e ter filhos em sua conservadora cidade. Ela parte para Fortaleza, onde consegue se consolidar como bailarina clássica e se torna professora de dança. Com a aposentadoria, ela retorna para sua cidade natal. Lá, ela pretende continuar seu trabalho artístico, mas só encontra desrespeito à sua arte. 97 minutos. 12 anos.