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Praia de Agnès

Por Susana Schild

As muitas faces de Agnès Varda

Ao morrer, aos 90 anos, em março de 2019, Agnès Varda deixou uma filmografia rigorosamente autoral e o título de “maior diretora da nouvelle vague”. Em sua diversificada obra, nas últimas décadas mais voltada para aspectos sociais e documentais (“Les glaneurs et la glaneuse”, “Les plages d`Agnès”, “Visages, Villages”), a diretora de “Cléo de 5 às 7”, de 1962, certamente “apareceu” para o público brasileiro em 1965, com um filme proibido para menores de 21 anos.

 

21 anos? Como assim? Exatamente. Uma interdição raríssima para uma realização que tinha como título original apenas “Le bonheur – A felicidade”, e que ganhou por aqui um acréscimo, “As duas faces da felicidade”. No elenco de atuação naturalista, o casal também na vida real Jean-Claude Drout/Marcelle Faure-Bertin e a doce femme fatale Marie-Frances Boyer.

 

Seria interessante sua exibição para gerações mais jovens que talvez se surpreendam com a antiga interdição. Afinal, quantos assassinatos, massacres, estupros, cenas de sexo explícito estavam à vista?

 

No caso, nenhuma das possibilidades acima. Ao contrário. Inspirada nas pinturas de Pierre Auguste Renoir, sobretudo na célebre “Le déjeuner sur l´herbe” e na sutileza dos filmes de seu filho, o cineasta Jean Renoir (“Partie de campagne”, 1940), Varda realizou seu primeiro longa em cores como uma ode à natureza – do campo e dos humanos.

 

A trama é de uma simplicidade radical. Fançois, jovem carpinteiro, vive feliz ao lado da mulher e dos dois filhos. De forma inesperada apaixona-se por uma funcionária dos correios. O tradicional triângulo amoroso – ele, ela e a outra – tem abordagem diferenciada, que substitui a tensão habitual por assumida naturalidade – quesito que “inspirou” a interdição até 21 anos. Nada foge ao cotidiano de pessoas comuns aparentemente destituídas de conflitos e culpa. Entre cenas de amor, confissões, suicídios e aceitação, vida que segue, como o outono segue a primavera. Ao fundo, o quinteto para clarinete de Mozart em atmosfera de plena inocência.

 

Corte para 2008. Ano do documentário “As praias de Agnès” (“Les plages d´Agnès”). Perto dos 80 anos, a cineasta nascida na Bélgica decide usar lembranças para realizar um rastro-atrás poético tendo a praia como tema inspirador. A memória, fragmentária por natureza, retoma marcos de seu percurso profissional, a vida com o marido Jacques Demy, com os filhos. Uma colagem de suportes e cores que contempla fotos, clipes, entrevistas, filmes domésticos e atinge raro equilíbrio entre nostalgia e encanto.

As Praias de Agnès (Las plages d’Agnès), de Agnès Varda (França, 2008). Com Agnès Varda, André Lubrano, Blaise Fournier.

Documentário. Sinopse: Com fotografias, fragmentos de filmes, entrevistas, e pequenas encenações, Varda compõe uma autobiografia, num passeio do tempo de criança na Bélgica até Paris, da descoberta do cinema até a participação na Nouvelle Vague, do casamento e dos filhos até a vida depois da morte de Jacques Demy. 110 min. 14 anos.

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