Numa de suas canções mais bonitas - Pedaço de Mim - Chico Buarque diz que "a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu".

O drama dessa perda, descrita no poema de Chico, é o tema do belo filme de Nanni Moretti (Caro Diário, 95) que tem arrancado lágrimas das platéias, onde tem sido exibido.

O Quarto do Filho (La Stanza del Figlio, 2001 ) se passa na pequena cidade de Ancona, onde Giovanni, um psicanalista (interpretado pelo próprio Moretti) vive com a mulher, editora de livros (Laura Morante) e um casal de filhos adolescentes.

Na apresentação dos personagens, são mostradas as cenas comuns do cotidiano de uma família feliz. É domingo, o pai vai visitar um paciente, a mãe faz compras na feira, a filha encontra suas amigas e o filho mais velho sai para mergulhar com sua turma.  Num espaço de segundos acontece a tragédia e a partir daí a família se desmorona.

Moretti disse que quis mostrar as conseqüências psicológicas que um fato trágico pode trazer para as pessoas: "Não é verdade que um acontecimento triste como esse una as pessoas. Ao contrário, as tragédias podem acabar separando pessoas que se amam, mas que não conseguem mais conviver da mesma forma que antes com seus entes queridos", explicou o diretor na coletiva que se seguiu ao lançamento do filme no último Festival de Nova York. 

O Quarto do Filho é a obra menos pessoal e a primeira claramente não autobiográfica de Moretti, que acha este o mais adulto de seus filmes: "na verdade, não faço filmes somente sobre a minha vida, mas sobre os sentimentos que estão aflorando em determinado momento; assim não acho que este esteja tão distante dos anteriores", afirmou.

O fato de Giovanni ser um psicanalista teve uma intenção especial.  Moretti disse que realmente tentou compor um personagem acostumado a tratar dos dramas alheios e que se vê impotente para resolver os seus próprios: "quis mostrar como reage um homem que ajuda o tempo inteiro pessoas desestruturadas no momento em que o problema acontece com ele".

Como explicou o próprio diretor, o roteiro de O Quarto do Filho foi escrito antes de Aprile (98), que também concorreu à Palma em Cannes: "minha mulher estava grávida na ocasião; por razões óbvias, preferi deixar para filmá-lo depois. Não era o momento de contar a perda de um filho". 

Num filme onde, após a tragédia cada palavra e cada ato é pontuado pela dor e pela lágrima, embalado pela trilha sonora perfeita de Nicola Piovani, em nenhum momento a história descamba para o melodramático. A simplicidade da narrativa adotada por Moretti talvez tenha sido o principal combustível para o poder de sedução alcançado com o espectador. 

Quando lançado na Itália, ganhou dois Donatellos (o Oscar italiano) e foi um sucesso de público e crítica. Moretti é um dos principais diretores da Itália atualmente e O Quarto do Filho é um ponto alto de sua carreira e uma esperança de contribuição para o renascimento do cinema italiano.