Há quem diga que essa história de "o segredo do sucesso" é uma balela, uma explicação mágica para fatores bem concretos. O êxito extraordinário do filme de Juan José Campanella, por exemplo, não é um coelho tirado da cartola, mas somatório de qualidades e atitudes quase palpáveis.

A começar pela universalidade do tema e da linguagem. Campanella tem trânsito não só pelo cinema argentino de gênero, mas também por seriados da TV americana, o que lhe dá uma medida de tempero internacional sem perda de cor local. A maneira envolvente como ele coloca vários gêneros para conversar e chega a níveis relativamente profundos nos aspectos humano e político, sem jamais perder o pulso da plateia, é realmente admirável. São duas histórias de amor paralelas, atravessadas por uma suspeita hitchcockiana, pelo humor (às vezes negro) e pela observação política que não emperra o fluxo do argumento central.

Nem os críticos argentinos que habitualmente torcem o nariz para os filmes do cineasta - los anticampanellistas - resistiram ao charme e à verve narrativa de O Segredo dos seus Olhos. Campanella pode não ser o "auteur" que certos críticos exigem, mas deixa suas marcas bem claras. Seja no personagem cômico, sempre presente em seus filmes; seja na engenhosa combinação do doce e do amargo, da nostalgia portenha com a teimosia em busca da felicidade; ou ainda na presença iluminada do sutilíssimo Ricardo Darín, sem o qual não dá para imaginar o que seria do cinema do diretor. 

O Segredo é um primor de ritmo e traz uma das cenas mais virtuosísticas do cinema recente, que é o falso plano-sequência do estádio de futebol. Alguns críticos acusaram a cena de mero virtuosismo vazio, recusando-se a vê-la como aquilo que é: um arrebatador resumo do tema da paixão.

O filme era apenas o melhor argentino do ano de 2009 até surpreender o mundo com o Oscar de filme estrangeiro. Desbancava o franco favoritismo de A Fita Branca e do superestimado O Profeta. Fato confirmado, aliás, por essa eleição da ACCRJ, que situou o filme de Michael Haneke como o melhor de 2010. 

Depois de quase seis meses em cartaz no Brasil, admirado por espectadores de todo tipo, O Segredopassa à história como uma quase obra-prima. Mas não se pode fazer vista grossa para  o que mais incomoda no filme, que é o bloco final. Ali a narrativa fica didática, com aqueles horríveis "ecos" de lembrança, e inverossímil no desfecho do viúvo apaixonado. Foi o cochilo que, por um momento, turvou os olhos afiados de Campanella.     

El secreto de sus ojos - Argentina, 2009 - Direção e Montagem:  Juan José Campanella - Roteiro: : Juan José Campanella, baseado no romance La pregunta de sus ojos de Eduardo Sacheri - Produção: Mariela Besuievski - Fotografia:  Félix Monti - Música: Federico Jusid e Emilio Kauderer - Elenco: Ricardo Darín, Soledad Villamil, Pablo Rago, Javier Godino - Duração: 127 minutos