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Shame (Shame), de Steve McQueen (Reino Unido)

Por Rodrigo Fonseca

Xará do astro de "Bullit" (1968), Steve McQueen, artista plástico e cineasta britânico, entende o corpo como um templo. É a partir dele que se chega à transcendência - incluindo a estética. Tem sido assim desde 1993, quando McQueen levou a galerias e museus "Bear", experiência em 16mm na qual dois negros nus (ele era um deles) se encaram frente a uma câmera que propõe um jogo sensorial a partir de músculos e olhares.

Em seus filmes e vídeos, a dramaturgia passa pela pele: seus protagonistas emagrecem, salivam, expõem hematomas, sangram, definham. Ao narrar uma greve de fome de soldados do IRA em "Hunger", com o qual conquistou o prêmio da mostra Un Certain Regard em Cannes em 2008, McQueen submeteu seus personagens a sujeira, escatologia, privação. Para o cineasta, toda violência que se dá dentro deles, política ou existencial, é externalizada pelo físico. E ele privilegia o físico masculino numa ponte plástica entre o fetichismo político do Kenneth Anger de "Scorpio Rising" (1964) e as vísceras do David Cronenberg de "Videodrome" (1983). 

Essa estetização do corpo parece ter alcançado lapidação plena em "Shame". É um filme sobre o vício em sexo. Astro de "Hunger", o alemão Michael Fassbender, numa atuação dilacerante, encarna (palavra melhor não há) Brandon, um homem que precisa fazer (muito) sexo para encontrar paz. 

Bem-sucedido no trabalho, Brandon é um eremita afetivo que, sintonizado na solidão digital dos chats eróticos, descarta relacionamentos por não acreditar na dedicação exclusiva a outro corpo que não o seu. Aplaca seu apetite com garotas de programa, vídeos pornôs no laptop do escritório e flertes em bares. 

Cada flerte é fotografado por Sean Bobbitt com detalhismo, para que o espectador capte cada gesto da tensão de Brandon em não deixar que o instinto atropele seu autocontrole. Nas cores, sempre esmaecidas, e na direção de arte que valoriza lençóis amassados e suados, McQueen traduz as contradições de seu Werther antirromântico, cujos sofrimentos são agravados pela chegada da irmã depressiva, a cantora Sissy (Carey Mulligan). Ela arma uma bomba emocional que será detonada pelos sentimentos que uma colega de trabalho desperta em Brandon. 

Conforme a razão de Brandon vai sendo dominada pela necessidade de gozar, Fassbender, premiado em Veneza pelo papel, ajuda McQueen a aproximar "Shame" de uma filmografia contemporânea sobre excessos. De "Réquiem Para um Sonho" (2000), de Darren Aronofsky, a "Choke - No Sufoco" (2008), de Clark Gregg, passando pelo esquecido "Impulsividade" (2005), de Mike Mills, o cinema independente anglo-americano vem criando uma tradição em que a catarse é somatizada pelo organismo. Com rigor plástico que valoriza cada elemento em quadro, McQueen incrementa essa linhagem com uma crônica sobre o vazio afetivo das novas gerações. Da tentativa de retratar o espírito de um tempo, ele dribla as impotências poéticas do cinema e faz um filme que dói.

Shame - Reino Unido, 2011 - Direção: Steve McQueen - Roteiro: Abi Morgan, Steve McQueen - Produção: Iain Canning, Emile Sherman  - Fotografia: Sean Bobbitt - Montagem: Joe Walker - Elenco: Michael Fassbender, Lucy Walters, Mari-Ange Ramirez, Carey Mulligan, Chazz Menendez. - Duração: 101 minutos.

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