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Melhor Filme: Sobre Meninos e Lobos (Mystic River), de Clint Eastwood (EUA)

Por Myrna Silveira Brandão

Clint Eastwood já era uma figura mitológica como ator, o que foi se acentuando quando fez suas primeiras incursões na direção, em 1971. Atrás das câmeras, o diretor mostrou que podia se sair bem tanto em um thriller como "Perversa Paixão", quanto em um musical biográfico como Bird, ou em um faroeste como O Estranho sem Nome. A consagração veio mesmo neste gênero, com o hoje clássico Os Imperdoáveis, que lhe deu o Oscar de melhor filme e direção em 92.

Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003), o último trabalho de Eastwood, é um drama forte com pinceladas sociais e clima de suspense.

O filme segue a trajetória de três homens que foram amigos na infância.  Separados pelo tempo e pelas circunstâncias da vida, uma tragédia vai reaproximá-los, quando os três , já quarentões, estão vivendo o dia a dia de suas rotinas.

Sean Devine (Kevin Bacon) é agora um policial; Jimmy Marcus (Sean Penn), passou um tempo na cadeia e hoje é gerente  de uma pequena loja; e Dave Boyle (Tim Robbins) é um homem amargurado por um episódio traumático acontecido quando era garoto : num dia em que brincava com seus amigos no bairro onde moravam, dois pervertidos o seqüestraram e o estupraram. Dave não esqueceu a violência e, durante o filme, o espectador é também levado a não esquecê-la, através das cenas em flashback mostradas em alguns momentos.

O fato trágico que vai reuni-los novamente é o assassinato de Katie (Emmy Rossum), filha de Jimmy, ocorrido em circunstâncias misteriosas.

O diretor já havia explicado que a origem do filme foi a questão do abuso infantil:  "Considero a pedofilia um dos crimes mais odiosos do mundo e quis mostrar como ele pode afetar a vida das pessoas para sempre".

Mas a abordagem do filme vai além e faz uma crítica à sociedade americana, traçando uma visão amarga dos valores entranhados na sua polícia, na igreja e na cultura da violência. 

Eastwood tem esclarecido que não tem uma posição contrária aos valores americanos, mas seu pensamento é que nada é mais importante do que a liberdade de expressão e que ela deve fazer parte inalienável do processo democrático.

Valores à parte, o fato é que tudo no filme funciona bem. O roteiro de Brian Helgeland - adaptado da obra de Dennis Lehane - dá um peso maior aos personagens, mais mesmo do que à própria história, com, aliás, está na condução narrativa do livro. A trilha conduzida por Lennie Niehans e o próprio Eastwood, ora grandiosa ora intimista, está perfeitamente inserida na história E a fotografia do ótimo Tom Stern - colaborador antigo de Eastwood - procura evidenciar ainda mais o lado obscuro da natureza humana.

A forma como Sobre Meninos e Lobos é conduzido vai capturando o espectador.  A apresentação dos personagens, a construção da trama, os momentos de violência velada, a tensão psicológica e o mote da vingança, um tema que volta e meia aparece na obra de Eastwood, talvez por ele ser tão importante nos westerns, berço de sua carreira de ator.

Ao lado de uma reflexão sobre a questão da pedofilia, o filme mantém o suspense na revelação da identidade do assassino da jovem Katie.

O diretor consegue um excelente trabalho dos atores, com destaque para o policial criado por Kevin Bacon, num de seus melhores desempenhos. Laurence Fisburne, em alta na sua carreira, interpreta Whitey, o colega do personagem de Bacon.  E ainda Marcia Gay Harden e Laura Linney, como sempre dando plena conta de seus recados.

Esse novo trabalho do já cultuado diretor é mais uma confirmação de que Eastwood é um dos melhores nomes no cinema americano de hoje.

No último Festival de Cannes, onde o filme concorreu à Palma de Ouro, o diretor ganhou o troféu Golden Coach da Sociedade dos Diretores de Filmes Franceses em reconhecimento à originalidade do seu trabalho.

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