Tár
Por Frank Carbone
Uma queda, passo a passo
Para se entender as complexas camadas de “Tár”, é necessária uma reflexão aprofundada sobre os temas que ali se encontram nas entrelinhas, assuntos hoje prementes. Da mesa de bar aos debates entre sociólogos, do jogo das fake news ao papel delegado à mulher no machismo estrutural, da exacerbação da figura pública ao papel preponderante da indústria midiática – poucos temas ficaram de fora do roteiro do cineasta Todd Field para “Tár”. Após dezesseis anos sem filmar, ele revela que não perdeu a verve de cronista social, ao abordar com precisão o que é essencial em considerações sobre a atualidade.
Profissional da música, a personagem Lydia Tár é a maior em sua área de atuação, é uma maestrina histórica, assim podemos dizer. Mas nada disso é suficiente para blindá-la das consequências dos próprios atos, alvos de um julgamento que destrói progressivamente tudo o que ela cria. Retrato tão perspicaz do mundo de hoje e estudo tão acurado dessa rica personagem, “Tár” foi confundido por boa parte do público com a biografia de uma figura verídica; não é. Parte do fascínio e do talento de Field foi justamente construir da maneira mais natural e orgânica possível as minúcias de uma queda inevitável – a queda da personagem. A câmera sempre olha para o que deve olhar, deixando as sutilezas a cargo do espectador.
A outra parcela do sucesso do filme se deve ao trabalho daquela que podemos chamar de uma das principais intérpretes do cinema hoje. Não bastasse essa alcunha acertada, o lugar que Cate Blanchett estabelece aqui é tão cheio de nuances e curvas, tão incrustado de possibilidades de observação e análise, que fica difícil compará-la com outro ator ou atriz sob qualquer parâmetro. Apenas as artistas em auge de carreira ininterrupto como ela podem se dar ao luxo de ser consideradas, de maneira leiga, como coautoras de um projeto. E é o que acontece aqui. É impossível imaginar “Tár” sem a sofisticação de Field e, tampouco, sem a fúria elegante de Blanchett.
Tár (Tár), de Todd Field (EUA, 2022). Com Cate Blanchett, Noémie Merlant, Nina Hoss.
Drama. Sinopse: Situado no mundo da música clássica ocidental, o filme é centrado em Lydia Tár, considerada uma das maiores compositoras regentes vivas e a primeira diretora musical de uma grande orquestra alemã. 158 minutos. 14 anos.