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Tudo Pode dar Certo (Whatever Works), de Woody Allen (EUA/França)

Por Maria Silvia Camargo

O filme abre com Boris Yellnikoff (Larry David), o personagem principal, num discurso para a câmera: "Não sou um sujeito agradável", diz, "e este não é um filme para fazer você se sentir bem". Boris é, realmente, o alter ego mais azedo dentre todos da filmografia do diretor, se comparado à Kenneth Branagh (Celebridades) ou John Cusak (Tiros Sobre a Broadway). Boris se considera um gênio que sabe que "o mundo está errado". Por isto vive fazendo discursos ou provocando os que o rodeiam. Mas apesar deste ex-professor de Física Quântica repetir que "quase" ganhou o Prêmio Nobel, sua vida é um desastre. Depois de tentar o suicídio duas vezes, ele se isolou em Chinatown, onde vive de ensinar xadrez para crianças "com cérebro de minhoca" nas quais, eventualmente, atira as peças do jogo. 

Como contraponto para sua genialidade odiosa e neurótica está Melody (Evan Rachel Wood), garota que fugiu dos pais no Mississipi e está morando nas ruas de Manhattan até encontrar Boris. Ignorante e ingênua, ela toca o fiapo de humanidade que resiste no velho e ele lhe dá abrigo. Melody entende tudo errado: que Boris quase "ganhou o Oscar" e que, quando jovem, ele "jogou pelos Yankees".  Os diálogos entre a pupila e seu protetor ficam ainda melhores quando entra Marietta, (a ótima Patricia Clarkson, também em Vicky Cristina Barcelona), mãe religiosa que procura pela filha. A ela se segue, John, o pai da garota, membro da Associação dos Amantes de Rifle - para horror de Boris e delícia do público.

Nestes encontros um tanto improváveis, mas justificados pelo desespero destes quatro personagens, é que a vida em Manhattan e o acaso vão agindo, como se o ambiente da cidade de ares liberais pudesse curar qualquer coisa. Mais uma vez - e aqui após cinco anos sem filmar em casa - o diretor repete seu amor à Nova Iorque. Tudo Pode Dar Certo traz outros temas recorrentes ao diretor e tem um clima anos 70. Afinal vem de um roteiro escrito em 1977 para o ator Zero Mostel (dePrimavera para Hitler), que faleceu sem fazer o filme. Recuperado em 2008, virou uma comédia menos sofisticada que um Desconstruindo Harry(1997) e um jogo mais brando que o de Match Point(2005), mas sustenta-se na qualidade dos diálogos e nas interpretações. Nenhum outro diretor começaria um filme com um resumo tão cáustico e engraçado do mundo e nenhum outro poderia concluir, com esperança e melancolia, que, "no final as aspirações românticas da nossa juventude se reduzem a qualquer coisa que dê certo". 

Whatever Works - EUA, França, 2009 - Direção e Roteiro: Woody Allen - Produção: Letty Aronson e Stephen Tenenbaum - Fotografia: Harris Savides - Montagem: Alisa Lepselter - Elenco: Evan Rachel Wood, Larry David, Patricia Clarkson, Carolyn McCormick, Yolanda Ross, Michael McKean - Duração: 92 minutos

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