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Por Daniel Schenker

Excelentes atores valorizam texto denso

 

Para apreciar “Sono de inverno” – filme de Nuri Bilge Ceylan vencedor da Palma de Ouro e do Prêmio da Crítica (Fipresci) no Festival de Cannes –, o espectador precisa desacelerar. Distante do vapt-vupt dos dias de hoje, o diretor de “3 macacos” (2008) e “Era uma vez na Anatólia” (2011) investe em longas sequências dialogadas, dispostas em mais de três horas de duração. Quem embarcar na proposta, contudo, será recompensado. A densidade do texto e as excelentes interpretações de Haluk Bilginer, Melisa Sözen e Demet Akbag – atores que dominam a palavra, demonstram habilidade nas transições emocionais e revelam força no olhar – não só garantem o interesse como dimensionam a importância desse trabalho no atual panorama cinematográfico.

 

Logo no começo do filme, a câmera se aproxima do protagonista, Aydin (Bilginer), um ator que abandonou a profissão e cuida de um hotel na Anatólia Central, até “entrar dentro” da cabeça dele. Esse movimento não é gratuito. Ceylan passa a descortinar o personagem diante do público, tanto no que diz respeito aos vínculos comerciais quanto (principalmente) aos afetivos. Nas duas instâncias, Aydin se encontra em posição de superioridade. Cobra o aluguel de inquilinos com problemas financeiros e evidencia autoridade em relação à mulher, Nihal (Sözen), ao considerá-la incapaz de capitanear seus próprios projetos. Mas Ceylan mostra que nem tudo é como parece. A vulnerabilidade do autoconfiante Aydin vem à tona no belo final.

 

Os conflitos acontecem em espaços abertos e, em especial, nos fechados. No início de “Sono de inverno”, a ação ocorre fora do hotel de Aydin, com destaque para a situação de confronto com os inquilinos. A partir de determinado momento, porém, a história migra para o interior da propriedade do protagonista, onde o público assiste às grandes passagens do filme – as sequências de embate entre Aydin e Nihal e dele com Necla (Akbag), a irmã de língua afiada, que não hesita em criticá-lo por sua atividade profissional. A sensação de claustrofobia não decorre apenas da ambientação de diversas cenas nos cômodos do hotel, mas da geografia isolada onde tudo se desenrola – dado realçado pela neve que cai sobre a região.

 

Como já dito, Ceylan aposta no texto e nos atores. Não por acaso, seu cinema tem elos com o teatro (Anton Tchekhov é referência constante). Em “Winter sleep”, a relevância dessa manifestação artística surge estampada em Aydin, que planeja escrever um livro sobre a história do teatro turco, e em referências, como à peça “Antônio e Cleópatra”, de William Shakespeare.


 

Texto desenvolvido a partir de crítica publicada no jornal O Globo em 1/5/2015.

Kis Uykusu – Turquia/ Alemanha/ França, 2014 - Direção: Nuri Bilge Ceylan – Roteiro: Ebru Ceylan, Nuri Bilge Ceylan – Produção: Zeynep Ozbatur Atakan - Fotografia: Gökhan Tiryaki – Montagem: Bora Göksingöl, Nuri Bilge Ceylan – Elenco: Haluk Bilginer, Melisa Sözen, Demet Akbag, Ayberk Pekcan, Nadir Saribacak, Nejat Isler, Serhat Mustafa Kiliç – Duração: 196 minutos.

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