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Por Mario Abbade

Espetáculo visual e sonoro a serviço do feminismo 

 

Depois de 30 anos do último Mad Max, quem poderia imaginar que o criador e idealizador da franquia, o septuagenário cineasta australiano George Miller, retornaria ao personagem? Bem verdade que o roteiro deste quarto capítulo estava pronto desde 2003, mas as ameaças pós-11 de setembro nas locações previstas e a exigência de liberdade de Miller para pisar fundo no acelerador sem que o estúdio impusesse limites fizeram o projeto enguiçar. O que há em “Mad Max: Estrada da fúria” é uma hecatombe de imagens e sons, na qual a mistura com alto poder de combustão do roteiro se junta aos cenários e ao elenco para inflamar ainda mais a combinação. Tudo isso comandado com ousadia por Miller, que mantém o equilíbrio, fazendo o motor funcionar em alta rotação.

 

Chamam a atenção as diferenças orçamentárias ao longo da franquia: este novo capítulo custou mais de 150 milhões de dólares, enquanto o primeiro filme, em 1979, teve custo de módicos 400 mil dólares – e rendeu 100 milhões pelo mundo. Essa longa jornada começou a brotar na mente de Miller quando ele ainda era estudante de medicina e fazia residência num hospital em Sydney, em 1972. O fluxo constante de vítimas de acidentes de carro foi a origem de sua inspiração para criar a estética do primeiro filme. A sociedade distópica em torno da história era a possibilidade de esmiuçar os diversos temas que o afligiam, como a violência inerente ao homem, o instinto de sobrevivência que o torna capaz de cometer atrocidades inimagináveis. Outros assuntos foram sendo acrescentados aos longas posteriores, conforme foram surgindo novas questões polêmicas ao redor do planeta. Diretores como David Fincher, Guillermo del Toro e James Cameron citam o filme como grande influência.

 

George Miller retorna à barbárie apocalíptica de Mad Max após o colapso da sociedade por falta d'água. Na nova trama, Max (Tom Hardy) ganha a companhia de Furiosa (Charlize Theron), que tem a esperança de um mundo melhor. Se antes Miller já tinha inovado na franquia com fortes tintas homoeróticas (poucos entenderam na época), inventou mais uma vez ao convidar Eve Ensler (de “Os monólogos da vagina”) como consultora, tornando o filme um libelo feminista. Um contexto muito atual, já que 2015 foi marcado também pela luta contra todas as formas de opressão que as mulheres sofrem, incluindo a violência doméstica e sexual. Miller levanta a questão durante as duas horas de projeção, no meio de toda aquela explosão de efeitos sonoros e visuais, numa combinação azeitada entre entretenimento e reflexão. Fica a sugestão de que sua intenção era levar o debate ao maior número de espectadores – e para isso era necessário usar a linguagem do cinema espetáculo.

 

Com essa escolha, Miller demonstra que cinema de qualidade não precisa ser necessariamente econômico e contemplativo. Seu show de excessos é corroborado por uma linguagem cinematográfica recheada de temas e significados que presta homenagem ao estilo de mestres do cinema, como na troca de olhares entre Hardy e Theron, um sutil tributo às expressões de Bogart e Ingrid Bergman em “Casablanca”. O que pode soar simples entretenimento é também homenagem aos samurais de Akira Kurosawa, ao homem sem nome de Sergio Leone, à proximidade do pesadelo na edição de Fritz Lang, à sintaxe do medo e da ameaça de Orson Welles, e há a vocação pura de investigação do terror, confrontando o imaginário de Alfred Hitchcock, entre outros. Não à toa, Miller já citou o mestre do suspense quando disse: “Meus filmes precisam ser compreendidos no Japão sem o uso de legendas”.

Texto desenvolvido a partir de crítica publicada no jornal O Globo em 14/5/2015.

Mad Max: Fury Road – EUA/ Austrália, 2015 - Direção: George Miller – Roteiro: Brendan McCarthy, George Miller, Nick Lathouris – Produção: Doug Mitchell, George Miller, P. J. Voeten  - Fotografia: John Seale – Montagem: Jason Ballantine, Margaret Sixel – Elenco: Tom Hardy, Charlize Theron, Hugh Keays-Byrne, Nathan Jones, Nicholas Hoult, Rosie Huntington-Whiteley, Zoë Kravitz – Duração: 120 minutos.

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